Mulherzinhas

Para a pausa natalícia, deixo como sugestão de leitura a obra Mulherzinhas, de Louisa May Alcott.  Publicado em 1868, nas suas páginas, acompanhamos a vida das irmãs March:  Meg, Jo, Beth e Amy, enquanto enfrentam os desafios da Guerra Civil Americana. Cada uma representa um retrato multifacetado da experiência feminina e da busca pela realização pessoal.

O que torna Mulherzinhas tão especial é a sua simplicidade comovente e a universalidade dos seus temas. Através das protagonistas, o leitor é convidado a refletir sobre questões como a ambição, a perda, o amor e o papel das mulheres numa sociedade muito conservadora e opressora. Meg, com sua busca por estabilidade e desejo de cumprir os papéis tradicionais, contrasta com Jo, a irmã rebelde e aspirante a escritora, que desafia convenções e luta pela sua independência. Beth, com sua bondade angelical, e Amy, com sua ambição artística e vaidade, completam o grupo, oferecendo uma visão ampla e profundamente humana das diversas formas de viver e de sonhar.

A beleza de Mulherzinhas está na forma como Alcott combina momentos de doçura e ternura com lições duras sobre a vida. Embora o livro possa parecer, à primeira vista, um relato simples de uma família de classe média a viver um período conturbado, transmite uma complexidade emocional que cativa o leitor. A narrativa deixa transparecer que, mesmo em tempos difíceis, há espaço para a alegria, a união e a superação.

Além disso, a obra é uma celebração do feminino. Alcott criou personagens femininas ricas e multidimensionais, que não correspondem a estereótipos. As protagonistas são mulheres reais, com falhas, desejos e uma força admirável. É impossível não nos identificarmos com uma delas ou não nos comovermos com as suas vulnerabilidades e triunfos.

Mulherzinhas é  uma obra sobre o poder da família, da amizade e da luta por um ideal. Mais do que um romance de época, é um convite à reflexão sobre os valores que realmente importam. Ler Mulherzinhas é como reencontrar velhos amigos: um abraço reconfortante e uma lembrança de que, mesmo nos momentos mais difíceis, há beleza na simplicidade e força no amor.

Espero que gostem ! Boas Festas com muitas leituras…

 

Prof. Elsa Campos


A breve vida das flores

A capa e o título deste livro fazem lembrar aqueles romances que contam histórias sentimentais e românticas, de leitura leve e fácil, geralmente com finais previsíveis e felizes, os chamados “livres à l’eau de rose” em francês… Nada disso!!!

Se não me tivessem aconselhado a sua leitura, talvez nunca teria lido.

“A Breve Vida das Flores” é um romance comovente e profundo, que proporciona uma reflexão sobre a finitude da vida, o legado que deixamos e como as pessoas lidam com a ausência.

Esta é a história de Violette Toussaint, a protagonista, guarda de cemitério numa pequena vila de Borgonha, personagem sofrida que conhece a rejeição, o luto e o abandono. Mas também é a história de encontros e resiliência. É uma grande lição de humildade e de vida que descobrimos neste livro. Violette é um exemplo de simplicidade. Essa combinação de tristeza e esperança oferece um equilíbrio que torna a leitura inspiradora e reconfortante.

A escrita de Valérie Perrin é sensível e repleta de imagens poéticas, o que torna a leitura uma experiência estética envolvente. O seu estilo rápido, rítmico e fluido assim como a forma como ela descreve as emoções e os cenários faz o leitor mergulhar completamente na narrativa.

Ao longo do livro, segredos do passado de Violette e das pessoas ao seu redor são revelados gradualmente, criando uma camada de suspense emocional. Esse elemento provoca a curiosidade do leitor, que deseja desvendar as peças deste quebra-cabeça humano.

Quando acabamos de virar as páginas, quase lamentamos que a história termine ali… teríamos continuado mais um pouco… queremos reler… isto não me acontece muitas vezes!…


Misericórdia

Quando vi pela primeira vez o livro, atraiu-me o título: Misericórdia. Incapaz de parar o pensamento – não há machado que lhe corte a raiz – logo meditei que esta palavra, que junta as palavras latinas miseris e cordis, resulta em algo tão belo como “ sentir compaixão no coração”. Parece ser uma palavra que caiu em desuso, embora o que me inquiete não seja a falta de utilização por si só, mas antes a inexistência dos atos a que dá nome. Logo recuei neste triste pensamento quando me assomou à mente a palavra “empatia”.

Cativou-me também a capa e a autora Lídia Jorge, um dos grandes nomes da literatura contemporânea. Estes argumentos, aliados aos inúmeros prémios que o romance tem recebido cá e lá fora, foram decisivos para iniciar a leitura.

Devo dizer-vos que Misericórdia vale mesmo a pena! A ação decorre no Hotel Paraíso, um lar para idosos onde se encontra a inesquecível D. Alberti e muitas outras personagens, umas residentes, outras que são visitas, e ainda aquelas que lá trabalham. Todas transportam em si muitas histórias, e, através delas, aquele local fechado enriquece-se com uma multiplicidade de relações humanas, afetos, desafios, preconceitos, dificuldades, que existem no mundo cá fora. Lá dentro (ainda) há lugar para o amor, por exemplo! Quando chega ao lar o Sargento João Almeida, agarrado ao seu tripé, mas ainda um homem vistoso e másculo, há corações que palpitam! Somos, na verdade, convidados a entrar naquele microcosmos, cujas dinâmicas nos levam a refletir sobre o nosso entendimento da velhice. Tocou-me particularmente o facto de a D. Alberti se deslocar de cadeira de rodas e haver funcionários que a transportavam de um sítio para o outro sem sequer lhe dirigirem uma palavra. Chegada ao destino, ali ficava sem que o seu benfeitor se tivesse sequer identificado. E quando nos momentos bons ela “enchia as algibeiras da alma” para fazer face a futuros momentos de desânimo? E a Lilimunde, que veio do Brasil e que ainda tem uma dívida enorme a pagar a quem a trouxe até ao nosso país? E o magrebino que tinha uma sensibilidade enorme ao cuidar daqueles corpos já doridos e marcados pelo tempo? E a filha da D. Alberti, que escreve livros sobre coisas simples, “faz amor com o mundo”, mas que não vê o reconhecimento da Mãe, para quem um livro deve ser volumoso e sobre coisas importantes.

A cada virar de página, encontramos verdadeiras pérolas de sabedoria, a(s) história(s) convocam-nos para muitas reflexões sobre a nossa própria vida e a forma como nos relacionamos com os outros. Também nos faz sorrir e às vezes até dar uma gargalhada e, garanto-vos, há sempre algo que nos agarra à história. Ao terminar a leitura é que vão sentir que fizeram uma viagem literária memorável.

 

Ah! E existe na nossa biblioteca!


Enquanto houver estrelas no céu

E quando descobrimos que, durante toda a nossa vida, estivemos enganados em relação aos nossos antepassados? Que, afinal, a nossa geração começou num país em guerra e não na região onde estávamos a viver? Que um AMOR pode durar anos, mesmo pensando que essa pessoa está morta, quando o seu coração lhe indica o contrário?

Foi o que aconteceu a Hope, uma pasteleira que herdou o seu negócio da sua avó Rose, em Cap Cod.

Rose, uma rapariga Judaica, jovem e apaixonada, casou-se às escondidas com Jacob. Quando começou a guerra entre os nazis e os judeus, o pai de Rose não quis fugir para não ser preso, mas Rose acabou  por fugir com a ajuda do seu amor, pai do filho que ela estava à espera. Fizeram a promessa de se encontrarem junto à estátua no jardim onde tiveram o seu primeiro encontro, quando a guerra terminasse.

Durante anos Rose escondeu todo o seu passado, construindo uma nova família em Cap Cod.

Já com a idade avançada e a sofrer de Alzheimer, Rose, num dos seus momentos lúcidos, deu uma lista de nomes a Hope para ela ir até França e procurar essas pessoas.

Decidida a cumprir o que a avó lhe pede, Hope começa então a perceber que os seus antepassados são judeus e que as histórias de princesas que a avó lhe contava em pequena eram, sim, a descrição do amor que tinha vivido e a promessa que tinha feito ao amor da sua vida. Hope acaba depois por encontrar Jacob no jardim junto à estátua onde tinha sido anos antes marcado o encontro entre Rose e Jacob.


O Rei do Volfrâmio

As guerras da primeira metade do século XX causaram morte, dor e destruição mas também enriqueceram muitas pessoas, por exemplo os volframistas. Portugal foi um dos principais exportadores de volfrâmio durante a Guerra Civil de Espanha e a Segunda Guerra Mundial.

O investigador João de Deus encontra-se no presente a fazer uma tese de doutoramento sobre o enriquecimento súbito dos volframistas e a sua queda na penúria do pós-guerra. Mergulhado numa perturbada vida amorosa, este professor investiga o percurso de Petrónio Chibante, o Rei do Volfrâmio, explorador da mina Paraíso, em Vilar das Almas. O doutorando acaba por descobrir em Chibante um “minério raro”…

João Boa Morte também é de Vilar das Almas, mas emigrante em França, desenraizado aqui e lá. Ao seu cuidado, morre lentamente a tia-avó Serafina Amásio, solteirona que, antes de a sua alma se libertar do corpo em França, vai convocar o passado de forma estranha. E a tia Serafina tem de voltar a Portugal para ser sepultada, numa epopeia pícara que só um João português poderia maquinar…

O romance O Rei do Volfrâmio  apresenta um passado histórico desconhecido por muitos de nós. Numa escrita ora comovente ora cómica ora séria, é a saga de um certo Portugal, cujas almas se alimentam de orgulhos duvidosos e portanto incapazes de se fortalecerem para futuro. Passado, presente e futuro cruzam-se, para levar o leitor a reviver os amores e desamores de cada época. A paixão e a racionalidade, a fraqueza tornada força, o amor e a traição nas suas mais variadas formas, sem dúvida sempre coexistiram e coexistirão nos homens e mulheres. Este lugar recôndito de Vilar das Almas é porventura o mundo inteiro.


Manhã e noite

Em 2000, Jon Fosse, atual Prémo Nobel da Literatura, publica, em nynorsk, língua minoritária das montanhas do Oeste norueguês, uma novela poética e musical, em dois andamentos salientados pelo título, Manhã e Noite, isto é, início e fim, nascimento e morte.

De facto, em pouco mais de cem páginas, o autor condensa a existência do protagonista, Johannes, desde o momento em que, “enquanto Marta a mãe grita de dor, ele virá ao mundo frio e aí ficará só, separado de Marta, separado de todos, aí ficará só sempre só”, até à altura da despedida, “quando tudo terminar, quando a hora dele chegar”. Então, “desvanecer-se-á e tornará a ser nada e regressará ao lugar de onde veio, do nada para o nada, é esse o trajeto da vida, das pessoas, dos animais, das aves, dos peixes, das casas, dos barcos, de tudo quanto existe”.

Neste avançar fluido, em harmonia com a natureza e traduzido por um estilo melódico, marcado por repetições e por uma pontuação sui generis, algo imprevisível, um pouco à maneira de um certo Saramago, o leitor descobre a beleza melancólica da rotina quotidiana de um velho solitário que se despede de um mundo onde imperam “a palavra e o espírito de Deus”, mas onde também opera “a vontade de Satanás”. Leve e numa atitude de despojamento, deixa-se, assim, conduzir por Peter, amigo de longa data, falecido há anos, que, tal o barqueiro sombrio, o transporta, por mar, para um ambiente de serenidade, de leveza, de luminosidade e de silêncio, onde as palavras se tornam desnecessárias e onde se cruza apenas com o que amou. Como lhe diz o velho amigo, “Tudo o que amas está lá, tudo o que não amas não está lá”.

No momento da passagem, nesse limbo onde alternam realidade e fantasia, obscuridade e luz, quando a cronologia deixa de fazer sentido e o inverno se confunde com o verão, o mar com o céu, quando os vivos do presente convivem, serenamente e sem angústias, com as sombras fantasmagóricas do passado, acentuam-se as eternas interrogações metafísicas próprias do ser humano sobre a existência, a dor, a solidão, a perda, a divindade, a amizade, a morte, o amor…

É nesse universo encantatório, atravessado por um certo misticismo, que Jon Fosse convida o leitor a mergulhar, graças à aparente simplicidade de uma prosa poética que embala.


O ódio que semeias

Starr, uma jovem negra de 16 anos, vive entre dois mundos: o seu bairro periférico e problemático, habitado por negros como ela, e a escola que frequenta numa elegante zona residencial de brancos.

O choque entre estas duas realidades  acontece quando Starr testemunha algo que ninguém deveria… a morte do seu melhor amigo Khalil às mãos de um polícia.

Desde então, Starr recebe  ameaças de morte: tudo o que ela disser acerca do crime que presenciou pode ser usado a seu favor por uns, mas sobretudo como arma por outros.

Uma história que retrata a luta contra o racismo, inspirada pelo movimento Black Lives Matter e pela luta contra a discriminação e a violência.

Agradecemos a presente sugestão de leitura ao aluno Lucas Oliveira, do 1º TCM.


O nosso irmão

À luz dos olhos de três irmãos, vamos descobrir a história de uma família diferente, abalada pelo nascimento de uma criança, “uma criança de olhos bem negros, que se perdem no vazio; uma criança sempre deitada, com bochechas rosadas e pernas translúcidas, nas quais se veem pequenas veias azuis; um bebé com um fio de voz puro e feliz, pés arqueados e palato elevado – um bebé eterno, uma criança inadaptada que traça uma linha invisível entre a família e o resto do mundo“.

Cada capítulo do livro é dedicado a cada um dos irmãos, mostrando o percurso desta família que se vai tentando adaptar e que, muitas vezes, parece desabar perante a fatalidade da diferença, mas que resiste contra tudo e contra todos.

É uma excelente leitura que mexe connosco e que nos leva a perguntar “O que é ser normal?”. É um livro sobre as relações humanas, sobre o amor, sobre os afetos involuntariamente desiguais, um livro que mostra que a carência emocional pode deixar marcas para o futuro.

Celebrou-se no  passado dia 3 o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência. Fica a sugestão de Leitura a assinalar a ocasião. Boas Leituras!


A velhice do padre Eterno

O centenário da morte de Guerra Junqueiro (1850-1923) pode ser uma ocasião para sacudir o pó a dois volumes da sua poesia conservados no depósito da nossa biblioteca e para os resgatar do esquecimento: A Velhice do Padre Eterno (1885) e Os Simples (1892).

Um leitor mais devoto ficará, por certo, escandalizado com a peculiar versão do “Génesis” apresentada pelo autor, no primeiro livro referido:

 

Jeová, por alcunha antiga ― o Padre Eterno
Deus muitíssimo padre e muito pouco eterno,
Teve uma ideia suja, uma ideia infeliz:
Pôs-se a esgaravatar com o dedo no nariz,
Tirou d’esse nariz o que um nariz encerra,
Deitou depois isso cá baixo, e fez a terra.
Em seguida tirou da cabeça o chapéu,
Pô-lo em cima da terra, e zás, formou o céu.
Mas o chapéu azul do Padre Omnipotente
Era um velho penante, um penante indecente,
Já muito carcomido e muito esburacado,
E eis aí porque o céu ficou todo estrelado.
Depois o Criador (honra lhe seja feita!)
Achou a sua obra uma obra imperfeita,
[…] E furioso escarrou no mundo sublunar,
E a saliva ao cair na terra fez o mar.

 

Não menos provocatória é a forma como desmascara as falsas virtudes da água de Lourdes, descrita como “o Espírito Santo engarrafado em bilhas” ou o “milagre à canada”, bem como a hipocrisia e a devassidão dum certo abade apreciador de uma boa sesta e de vinho:

 

O abade é beberrão. Casca-lhe muito e bem.
Lá pinga como a dele isso ninguém na tem.
Sabe da poda, é mestre! A adega até dá gosto
Entrar a gente lá n’uma tarde de agosto.
[…] o próprio abade e mais a ama
Tem feito d’essa adega o seu quarto de cama
Várias vezes… O amor pela-se por bom vinho.
Se Vénus foi sua mãe, Baco foi seu padrinho.
Sensata opinião que o nosso abade aprova,
Sobretudo se o vinho é velho e a mulher nova.

 

A sátira e o evidente anticlericalismo não são, todavia, incompatíveis com o desejo de exumar “a fé desse montão de escombros” e de desentulhar “Deus d’essa aluvião de areia”.

 

Em Os Simples, Guerra Junqueiro mostra-se próximo dos humildes. Os leitores menos novos lembrar-se-ão, talvez, do poema “A Moleirinha”, cantado por Maria de Lurdes Resende. Nele, uma “velhinha errante”, “encarquilhada e benta”, guia o “jerico russo, d’uma linda cor”, avançando ambos “pela estrada plana, toque, toque, toque”. O jumento é um ser simples cuja ingénua visão do céu parece revelar, todavia, um certo e despretensioso platonismo filosófico:

 

Toque, toque, e vendo sideral tesoiro,
Entre os milhões d’astros o luar sem véu,
O burrico pensa: Quanto milho loiro!
Quem será que mói estas farinhas d’oiro
Com a mó de jaspe que anda além no céu!…

 

Na descrição deste asno meio filósofo, perpassa, uma vez mais, um certo humor, característica do poeta que, um dia, em amena conversa com um abade indignado, devido ao escândalo causado pel’ A Velhice do Padre Eterno, não hesitou em atacar o autor da obra, sem, no entanto, revelar a sua própria identidade.


Caro Professor Germain. Cartas e excertos

Em 1957, o escritor Albert Camus foi galardoado com o prémio Nobel da literatura. Nessa ocasião, o primeiro pensamento do escritor foi para a mãe e, logo a seguir, para o seu professor da escola primária, o Senhor Germain, como refere na carta que lhe endereça em 19 de novembro desse ano: «Caro Professor Germain, deixei que acalmasse um pouco todo o ruído que me envolveu nos últimos dias, antes de vir falar-lhe um pouco e de coração aberto. Acabam de me conceder uma grande honra, que não busquei nem pedi. Mas quando soube da notícia, o meu primeiro pensamento, depois da minha mãe, foi para si. Sem o senhor, sem essa mão afetuosa que estendeu à pequena criança pobre que eu era, sem o seu ensinamento e exemplo, nada disto me teria acontecido».

O carinho, a admiração e o respeito mútuos que unem os dois homens são uma constante ao longo da curta vida do filósofo, romancista, dramaturgo e jornalista de origem franco-argelina, como testemunham as missivas trocadas entre ambos e compiladas num pequeno volume intitulado Caro Professor Germain. Cartas e excertos, recentemente editado pelos Livros do Brasil.

O reconhecimento de Camus em relação à figura paternal do professor é patente em passos como «Um bom mestre é algo de grandioso. O senhor foi o melhor dos mestres e não esqueci nada de tudo o que lhe devo». Por seu lado, o humanismo comovente deste mestre perpassa em muitas das mensagens que dirige ao discípulo dileto e que podem constituir um exemplo para quem abraça a profissão de ensinar: «Comoveu-nos profundamente a tua carta, meu querido rapaz. Revelam sentimentos que honram uma alma humana. Eu, pessoalmente, fiquei tanto mais emocionado porquanto os meus filhos nunca manifestaram tanto afeto por mim. […] Tive mais sorte com os outros, com os meus alunos, de um modo geral. São muitos os que tenho encontrado ao longo da vida e que me dizem conservar de mim uma boa recordação, apesar da minha severidade quando era preciso. A razão é muito simples: amava os meus alunos e, de todos eles, um pouco mais aqueles que a vida desfavorecera. Quando me vieste parar às mãos, ainda estava sob o golpe da guerra, da ameaça de morte que, durante cinco anos, ela fez pesar sobre nós. Eu consegui voltar, mas outros, com menos sorte, sucumbiram. Vi-os como camaradas infelizes, tombando e confiando-nos os que cá deixavam. Foi pensando no teu pai, meu caro rapaz, que me interessei por ti, como me interessei por outros órfãos de guerra. Amei-te um pouco por ele, o melhor que pude, não tive outro mérito. Cumpri um dever sagrado a meus olhos».

Esta troca epistolar pode ser um excelente ponto de partida para a (re)descoberta de outras obras do autor, como O Primeiro Homem, texto autobiográfico cujo manuscrito o escritor levava na mala do carro, quando foi vítima de um acidente de viação que ditou a sua morte, O Estrangeiro, narrativa que convida à reflexão sobre a natureza da existência humana e sobre a liberdade individual, A Peste, romance de consagração de Camus, ou ainda A Queda.