Livres e Felizes


Vivemos na era da liberdade e da felicidade ou pelo menos é essa a realidade que nos é vendida. Se é verdade que muitos direitos foram conquistados e seria até de mau tom ousarmos comparar a atualidade aos tempos da escravatura ou mesmo da ditadura, também devemos reconhecer que ainda há um longo caminho a percorrer. Para sair das ilusões mais disseminadas é preciso usar as lentes da análise crítica, que só existem quando o espírito curioso não se contenta com explicações superficiais. É preciso mergulhar mais fundo, sendo que a literatura pode ser a botija de oxigénio necessária para alcançar a essência das coisas. Todos os géneros literários têm o seu propósito, sendo que na sessão de júri de certificação de nível secundário do dia 28 de novembro de 2024 as candidatas partiram de duas obras distintas para refletir sobre a liberdade e a dor.

A primeira apresentação baseou-se na obra “1984” de George Orwell, uma distopia de 1949 que promove a reflexão em torno das características dos regimes totalitários, nomeadamente a vigilância e a manipulação. Se a história narrada é ficcionada, algumas descrições aproximam-se perigosamente da realidade. O desconforto provocado por alguns episódios do livro tem o potencial de nos despertar para a atualidade e mover-nos para a defesa dos nossos direitos e liberdades.

A segunda exposição inspirou-se na obra “Sociedade Paliativa” de Byung-Chul Han publicada em 2020. Com uma escrita mais filosófica, o autor alerta-nos para o perigo de evitarmos a dor a qualquer custo (algofobia). Se noutras alturas a dor era usada para controlar a sociedade, por exemplo numa sociedade do martírio são usadas punições físicas e públicas para dissuadir comportamentos, na atualidade a dor é camuflada e incute-se a necessidade de ser feliz. Assim o chicote é retirado das mãos do carrasco e dado à vítima que se pune a si própria, através da autocrítica, por não conseguir ser feliz, ignorando o papel de fatores externos ou mesmo a volatilidade da felicidade. Assim a sociedade e a própria democracia tornam-se paliativas, com cada um focado no seu umbigo. A tolerância à dor vai diminuindo e o recurso à medicação aumenta, entorpecendo os sentidos e a conexão aos outros.

Mikael Mendes – Técnico de ORVC